quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Ella


Ella me contou assim que queria ser passarinho azul no céu, a ela apetecia o vôo, e as coisas de espírito livre do ser. Dela mesma conhecia pouco, pois sua essência era de um não falar habitual, e seu amor parecia-me tão pálido, nem era amor ainda. Mas penetrando um pouco mais em seu olhar, que parecia raso e calmo - não se enganem água seja qual seja nunca é rasa ou calma - via-se uma levezinha essência azul que tornar-se-ia não se sabe o quê, seria belo, e por belo entenda transcendente.
Doces enredos, breves danças, tudo feito de uma leveza, que não deseja encontro.
A memória não tem tempo, é um dançar sem fim.
E a ela só importava o valsar sem fim em horas e horas a fio. Dado o momento tradicional da meia noite, eis fim do baile, jamais aceitava companhia de um ou de outro, fosse o príncipe no cavalo branco, fosse o marquês, o conde, o duque ou o plebeu - sem essa de contos de fada, apesar de algumas verossemilhanças - ia só sempre há mesma hora.
Contar-vos-ei agora um segredo: Por mais deslumbrada, mulher que se diga mulher, não deseja contos de fada nem se quer ser vista como pombinha branca. Carece mesmo é de desejo, ser vista e despida com os olhos. Era dela esse desejo.
A casa era pequena, com luzes azuis á cabeceira da cama, quadros de cinema, livros desde o banheiro até a cozinha. Mas faltava.
             Lembrou-se da mãe, de quando era criança. A mãe dizendo "Filha minha carece leveza mas não deve ser vista assim, quem vê mesmo é o marido, e só depois que casa e ainda assim aos poucos guardando o mistério". A mãe fora cantora de rádio, a mais bonita, casou-se. Como dizia Chico Buarque “Me amassou as rosas, me queimou as fotos, me beijou no altar. Nunca mais romance nunca mais cinema... Nunca mais feliz”. O marido morreu logo, o luto ficou.
A ela só restava lembrar, mas o sono esse sabe quando chegar. Dormiu. No sonho pôde se ver, vestida dela mesma - o desejo de cada um tem cor própria.
Ao acordar soube logo que não era a mesma, os móveis mudaram de lugar, a casa parecia de um espaço maior, desses que cabem até um baobá plantado na sala, até coisa maior.
Saiu. Por cada um que passava sua cor tornava-se a cor que lhes apetecia, até as mulheres a viam e desejavam de estranho modo. Cortou os cabelos dos quais por trás se escondia e... Voou? Não. Vôo é para pássaros.
Era então mulher, dos sonhos de cada um.
(Voava também, se desejasse. O desejo está em tudo, ele que movimenta as engrenagens emperradas cheias de moral.)
Ella! Possuía agora tudo o que importa. O sonho, o desejo e a escolha.
Transmutou.
                                                                              Nathália Loiola