Ia o menino.
Risonho,
repleto, resignado. Por nome Remmi colecionava sonhos.
Alto,
magricela, olhos pretos profundos. Sem paradeiro no mundo.
Molecote
ainda vivo e solto; pela lapa de Chico Buarque, a Ipiranga com a são joão de
Caetano. E a Avenida Paulista que era dele. O amor acontece em qualquer lugar
entre algum boteco e a Avenida Paulista.
Era ele
mesmo de mais pra pertencer a esse mundo. Não havia noticia de morte no no
jornal que não o fizesse chorar, não havia também tão somente um broto a
crescer por uma fresta da calçada que não o alegrasse absurdamente.
Epifania
pura.
Numa
tarde Remmi andava cabisbaixo pela rua, como a procura de algo que caíra pelo
chão quando senhor que passava o indagou:
- Acaso
perdeu algo de seu?
-Não –
respondeu resoluto- perdi algo de nosso.
-Nosso?
- Sim,
nosso, não possuo nada de meu. As coisas pertencem a si mesmas.
-E o
que de nosso procuravas?
-
Sonhos perdidos.
-
Perdidos? Não seriam sonhos achados?
- Só
são sonhos achados depois que os encontro, antes disso não.
-E o
que você faz depois que os encontra?
- Eu os
solto.
- Mas
porque os procura, se depois você os solta novamente?
-
Quando os encontro eles deixam de ser pedidos, e quando os liberto eles
encontram sozinhos seu próprio caminho. É preciso se perder e ser encontrado
antes de saber que caminho seguir. Se ninguém olha para eles a sozinhês os
mata.
- Muito
bonito isso que você faz. Qual a sua graça?
- Graça?
Não tenho nenhuma, o senhor gosta de piadas?
- Não
quis dizer qual o seu nome.
- É
Remmi e o seu?
-
Bastião.
- Muito
bom conhece-lo, seu Bastião, agora eu preciso ir, ainda há muita coisa a ser
feita.
- Eu
quero lhe dar um presente, tenho uma barraca de brinquedos antigos no vão do
MASP vá até la amanhã.
Remmi
fez que sim com um aceno de cabeça e despediu.
Bastião
era um bom homem, mas não foi sempre assim, aprendeu a ser gente a duras penas.
No passado foi um homem rico, mas gastou toda sua fortuna com cachaça e jogos.
Batia na mulher, que morreu de desgosto, quando ele Bastião, causou a morte do
filho num acidente de automóvel. Estava bêbado.
Não lhe restando mais família nem dinheiro. Bastião e seu mausoléu de lembranças , coisas antigas e brinquedos de sua
infância. E foi seguindo os pés para um lugar que para ele tinha importância mítica,
um lugar esquecido por sua memoria, mas que seu coração nunca abandonou.
Bastião
e suas lembranças partidas, caminhou, caminhou e caminhou chegando até o vão do
MASP onde montou sua pequena barraca de coisas velhas e usadas e depositou o
que restou de sua afeição.
Estava
anestesiado fazia muitos anos, mas algo naqueles profundos olhos pretos de
Remmi despertou nele a vontade de cuidar e amar a outro. Um sentimento materno
tomara conta de sua alma e todos os espaços vazios.
E
voltou o menino no dia seguinte como prometeu.
Sebastião
deu a ele um pequeno pássaro azul feito de madeira.
-Que
engraçado – disse Remmi- coisa mais estranha passarinho que não voa.
- Mas esse
não é um passarinho comum, esse é um passarinho imortal.
-
Imortal? Como imortal?
-
Imortal é quando alguém não morre nunca
. Depois que não estivermos mais aqui, esse passarinho continuara a existir
passando pela vida de outro e outro para sempre.
- Para
sempre? Que coisa mais triste, ver tudo murchar e você e sempre frio – disse
com lagrimas nos olhos- Eu não. Quero é morrer logo.
- Não
diga asneiras, você ainda é muito menino, tem muito que viver. Alias, onde você
mora?
-Na
rua.
-Como
na rua? Mas e seus pais?
- Não
tenho, não lembro de já ter tido, nem sei bem como cheguei aqui.
-Não
seja bobo Remmi todos tem pai e mãe.
-Bem ao
menos não me lembro de ter tido.
-Porque
não vem morar comigo? Dou casa, comida não vai lhe faltar nada e nunca mais vai
ter que ficar sozinho. Hoje mesmo acerto tudo, te adoto para filho e você fica
sendo meu.
Remmi enrubesceu
de espanto, quis correr fugir para longe. Não entendi. Então enquanto recobrava
o fôlego respondeu:
- Como
posso pertencer a o senhor, se já pertenço a mim mesmo?
Bastião
não via maldade na proposta, em seu coração o que queria era cuidar do menino,
acarinha-lo, por pra dormir, velar seu sono caso tivesse pesadelos. Tudo muito materna
- Você é ainda muito menino pra
tomar conta de si mesmo, fica sendo meu até ter idade pra se virar sozinho.
- Seu Bastião o senhor não
entende. Não estou sozinho tenho universo todo a me olhar. Tenho o manto da
noite pra que eu durma e as estrelas acesas para que eu não tenha medo do
escuro. Tenho o sol para me despertar, as arvores para fazer sombra e suas
frutas para que eu me alimente. O mundo é vasto, ninguém esta sozinho os sonhos
me mantem vivo até quando for chegada a hora da grande despedida.
Bastião entendeu. Ele amava o
menino. Remmi era uma dessas criaturas raras tão passiveis de ser amadas; que
vezenquando por ignorância agente se pega com o desejo de guardar numa caixa,
pra vezenquando poder ficar admirando. Mas ele era dele demais pra ser nosso.
Remmi voltou pra ver Bastião
ainda no dia seguinte, no semana seguinte e nos meses que seguiram. Até que um
dia não voltou mais.
Dizem que morreu outros que foi embora
pra algum lugar distante. Mas Bastião viu quando Remmi foi sumindo numa mistura
de nevoeiro e fumaça.
Era seu lugar.
Nathália Loiola