sexta-feira, 22 de junho de 2018

Rosa


Chamava-se Rosa, tal qual a flor, pouco sabia-se porém de seus espinhos.
Feições de quem havia travado muitas batalhas, e perdido. Ainda assim no fundo de seus olhos castanhos mantinha vivo um desejo.
Seu coração não era afeito a desistência.
Baixa, cabelos curtos, não possuía nenhuma beleza excepcional, passava despercebida quase sempre. Apesar disso era dada a grandes paixões, devorou tantas vezes o próprio coração, o engoliu inteiro, massacrou, embalou a vácuo, era incansável.
Aprendeu cedo o papel da mulher em cuidar, acolher e zelar, assim ela fazia tirava os próprios braços se necessário fosse, dava os olhos, os cabelos e ia arrancando cada pedacinho de si, pra dar a quem precisasse.
Em troca? Bem, a natureza humana não é toda gratidão, tantas vezes ajudou, tantas vezes foi deixada. Ficava ela lá, sozinha, construindo novos braços, olhos e a tecer novamente os cabelos.
Vez ou outra lhe tiravam os pedaços sem permissão, mas ela não lutava, era seu papel, foi o que lhe disseram.
Ela tinha 16 quando eu a conheci, sentada num banco de praça com um fino agasalho azul, botas de chuva surradas e cabelos desgrenhados, eu amei Rosa daquele instante em diante, mas também a deixei. O amor entre mulheres não era permitido.
Rosa era ela demais, não cabia em meu peito, ela era grande, grande demais pra caber nesse mundo.
Passei anos sem ve-la, ou ouvir seu nome.
Se passaram 24 anos antes que eu a visse novamente; no mesmo banco de praça, com os cabelos ralos, ja não se refazia como antes, o desejo em seus olhos se afogou, lhe faltavam pedaços.
Ela me sorriu, com a pouca doçura que ainda lhe restava, mas não disse nada.
Anos depois me chegou a notícia de sua morte, a encontraram sozinha.
Eu nada fiz por Rosa.
Rosa sou eu.