terça-feira, 8 de novembro de 2011

Abismo


Tolos pederastas sofrem como mártires pelas dores do mundo
Enquanto fazem sexo em camas frias sem amor
Choram por dores de cume existencial
Enquanto negam lembranças aos que já não podem sonhar
Que dor é essa lancinante e pontiaguda, que os faz tremer
Uma dor pungente sem nome de origem, mas que habita os dês de o nascimento
Não os deixa dormir, incapazes de sonhar
Trepam com putas pra se aquecer
Sem seio de mãe que os protegesse, sem pai que lhes desse uma coça
Não há motivo para verter lagrima se quer
Dor não há nem nada
 Junto com a noite pacificam-se os corações
Não a temor de amor possível quando ela chega
Os homens se lembram que foram amamentados, e que não fugiram a coça
Mas o sonho não vem, e castrados de sonhar
Homens deixam de ser homens.
Nathália Loiola

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Joana Francesa

Décimo ou nono copo, não se pode mais saber a essa altura, tampouco lembro ainda da ultima noite de sono que tive, há muito que tenho sido meio homem, a muito que não tomo banho, e oh meu Deus perco de vista a ultima vez que estive com uma bela mulher, tenho andado por ruas as que a ninguém interessa, que nenhum pai de família ou homem de bem ousou freqüentar, mas ora do que estou falando, não existem mais pais de família ou homens de bem nesse século, existem sim os engravatados, porcos capitalistas é o que eles são, venderiam a mãe por uma boa margem de lucro. E eu me pego a ralhar novamente, logo eu que não tenho sido nem sombra de homem, que vago por entre meu inconsciente a procura do que perdi, sim porque me perdi em mim mesmo.

Freqüentava ainda naquela época, o samba de roda paulistano, nunca saia de um sem que tivesse a companhia de uma bela mulher, e foi em uma dessa rodas que a conheci. Nessa época nem mulher ela era ainda, era moleca mirradinha de nada. Joana era seu nome, em nada se parecia com a outra Joana – a francesa de Chico Buarque-, Mas algo no que ela escondia me atraia.

Morava com a avó num desses cortiços abarrotados de famílias, com roupas na corda, crianças descalças, maridos violentos, e gente trepando sem pudor. Era mulher da vida, não possuía vocação ou inclinação para tanto, sua velha e decrépita avó dizia ser dela a obrigação de trazer para casa o de comer, já que a criara dês de sua meninice, sem ajuda de mãe ou pai.

Joana quase nunca não falava, não retrucava, não pedia, parecia não ter vontades, era mesmo sem graça nenhuma, e eu um boêmio inveterado me sentia atraído por ela. Trepavamos toda sexta à noite e a madrugada – Não enganem seus corações com sentimentos terceiros, ela era puta afinal.

Nos outros dias da semana, ela se deitava com outros tantos homens que eu desconhecia, e tampouco me importava, tinha eu também outras mulheres e alguns homens até – somos todos seres sem sexo definido, dês de que os Deuses no dividiram ao meio, fica difícil saber quem é homem e quem é mulher, e por isso me deito com todos- nunca tive pudores e os poucos que tive vendi, por qualquer ninharia.

Eu trabalhava pouco, o necessário pra sobreviver, era nessa época colunista de um jornaleco de quinta, que ainda acreditava em comunismo – nada contra os comunas, afinal o governo já não fica com quase todo o dinheiro mesmo- escrevia uma coluna por semana, sobre qualquer coisa como intolerância, protesto no vão do MASP, passeatas contra ou a favor de seja La o que for – essa geração nunca soube mesmo fazer barulho- de qualquer forma as poucas colunas, pagavam o aluguel, o gim e as putas, o necessário.

Tinha uns poucos amigos, todos uns pederastas, barbudos e sujos, uns porcos, todos boêmios falidos, alguns de boa família, consumiram a fortuna em jogo bebidas, e mulheres. Que mais sabe fazer um boêmio? Eu sempre fui mesmo um falido, pegando emprestado aqui e ali, pagando umas vezes outras não, e vivi muito bem assim.

Fui tomado por uma febre terçã, vi a morte de perto, senti seu bafo por meu rosto como a fumaça de um ópio letal, não vi Joana, nem tive noticias dela, e as outras tantas mulheres e outros tantos homens não tive noticias de um sequer, nem de meus amigos pederastas, foi como se por aqueles três messes que custaram se findar minha existência fosse ignorada por todos, se não a velha que cuidou de mim, a mesma velha bruxa que me fizera previsões futuras de maus agouros- que ignorei apesar de supersticioso-  sobrevivi nesse meio tempo com as poucas e economias que tinha, já que não tive forças para escrever as colunas rotineiras.

             Quando finalmente consegui me por de pé, e colocar a cara na rua, percebi que muita coisa havia mudado, era como se a cidade estivesse ainda mais grotesca e suja, os ratos passeavam pelas ruas como fossem cidadãos, o mendigos ocupavam calçadas, praças, pontes e espaços públicos. Me senti sufocado com toda aquela atmosfera, e senti o ímpeto de gritar, mas minhas forças não deram e o grito ficou entalado, formando um daqueles nós que não desatam nunca. Foi então que me dei conta, a cidade sempre fora assim, estava do mesmo jeito, nada sairá do lugar, eram os mesmos ratos, os mesmos mendigos e a mesma sujeira.

             Transtornado a única coisa em que consegui pensar foi em procurar um rosto conhecido, qualquer um, mas tive vergonha, tanto tempo sem aparecer, e eu não podia bater de repente a porta de alguém e dizer “O dia estava, tão agradável que resolvi lhe fazer uma visita, como tem passado?”, lembrei de Joana, era puta, teria que me receber, tolo que eu fui.

              No velho cortiço, procurei por Joana, mas só encontrei dela a avó.

-Casou-se – disse ela se rindo, enquanto me fitava- e me deixou aqui, sem nada pra enlouquecer em meio aos ratos. Ingrata, logo eu, que a criei quando ninguém mais o quis.

             Deu-me o endereço, e eu me vi perdido, sentia no fundo da alma que enlouqueceria. Queria procurá-la, mas não tive coragem.

             Parei em um boteco, reencontrei meus velhos pederastas – que me deram por morto, tanto foi o tempo longe dos bares- perguntei sobre Joana, me disseram que foi um tal, afrancesado, de mudança pra Sampa que a cortejou, como dama e donzela, casando-se com todos os rapapés, véu grinalda e vestido branco, na igreja São Luiz Gonzaga. Um tolo de tão apaixonado –diziam eles - nem se deu conta da puta com que se casou, deita-se com todos os homens que passam por seu caminho.

                Por um momento me vi confuso, então levava ela a mesma vida de antes, agora que desposada? Não pensei mais, eu parti em sua procura, não a amava, mas alguma coisa nela me salvaria, não sei por que razão, talvez algo nas palavras daquela velha bruxa, eu precisava ser salvo.

             Joana morava agora em uma casa histórica de Sampa, quando me abriu a porta, mal pude acreditar em meus olhos, ela deixou de ser a moleca magricela e sem graça, pra se tornar enfim a Joana francesa de que Chico Buarque tanto cantava. Não se espantou em me ver mandou que eu entrasse e subiu em direção aos quartos, definitivamente não era a mesma mulher que se deitava imóvel na cama, talvez nunca tivera sido tal mulher.

             Fomos dar num quarto grande e suntuoso, ela me conduziu a cama sem dizer palavra, foi se despindo enquanto me acariciava, trepamos duas, três, quatro vezes até a exaustão. No fim ela se vestiu e me abriu a porta sem dizer palavra.

             Eu nada compreendi, voltei nos dias seguintes, e depois e depois, era sempre o mesmo jogo. Retomei minhas colunas no jornal e a vida parecia voltar a seu eixo, eu continuava não a amando, era uma puta, e não passava disso.

             Bebi com uns amigos e fui ver Joana, tudo ocorreu com sempre, mas num ímpeto resolvi lhe perguntar o que achava da nova vida, ela se riu, mas não disse nada. Irritado lhe perguntei por que não respondia e se acaso perdera a língua.

-Responder pra que –me disse ela ainda rindo- pensava eu que putas não falam, não lhes é função falar ou retorquir ou não?

-Talvez – disse eu- mas tu não és puta o tempo todo, às vezes é mulher, esposa.

-É só o que aprendi a ser, pobre Frances o que me desposou, nunca encontrou em mim a esposa que procurava, de desgosto voltou a frança e me deixou aqui. E faço eu a única coisa que sei, que é ser puta.

Eu me vi tendo escrúpulo de pena por Joana, algo humano, quis acariciar seu rosto e enxugar suas lagrimas e tê-la como mulher, e assim ela permitiu que eu o fizesse. Nosso caso foi dos mais comuns, líamos os mesmos livros, assistíamos a filmes velhos, ouvíamos a boa música, dormíamos juntos. Nunca a amei.

Durou muito pouco nossa boa convivência, a natureza de Joana, não mudou, no começo eu não dava importância, mas sua alegria parecia me agredir de estranho modo, quanto mais homens passavam por sua cama, mais alegre ela ficava, e menos precisava de mim. Não era eu também fiel, minha natureza boêmia não me permitiria tanto, a liberdade de Joana, no entanto doía-me como um bofetão.

Lembro-me ainda daquele dia brumoso que me trouxe aqui, na sarjeta em que me encontro agora, como predisse aquela velha bruxa. Peguei-a com um de meus pederastas. Meus olhos marejaram, ergui minha mão a possibilidade de um tapa, mas não o fiz, peguei-a pelo braço e a conduzi a outro cômodo da casa. Boca não disse palavra tudo que pude e fiz, foi abraçá-la ferozmente. Era uma puta.

Despedi-me de minha Joana francesa, sai pelos bares, encontrei os mesmos pederastas velhos e sujos com quem costumava ter, mas já não era como antes, me vi decrépito e sujo, muito mais que o de costume, usava todo o tipo de droga que preenchesse mesmo que por pouco tempo a lacuna deixada em mim, me perdi dentro de mim mesmo e nunca mais achei o caminho de volta.

E eis que me encontro aqui hoje, pedindo esmolas na Praça da Sé, e ao longe avisto minha Joana francesa, esta tão linda como nunca estivera, e nunca voltaria a estar.

Vem vindo e se ri

-A muito que te procurava - disse-me ela.

Ao que respondi:

- A muito que eu estava a sua espera.

-Uma bebida? Eu pago, o que vai ser?

-Margaritas, como já dizia Caio Fernando Abreu “Margaridas são o caos rodeado por paz”